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sexta-feira, janeiro 25, 2008

Contabilidade


Havia três coisas que odiava profundamente. Três coisas capazes de lhe provocar uma tumultuosa indisposição física, convenientemente assinalada por um ardor na garganta, e que por azar aconteciam recorrentemente no seu dia a dia.

A primeira era escorregar ou desequilibrar-se enquanto caminhava na rua. O pavor de sentir o seu corpo tombar descontroladamente em qualquer direcção, ou pior, dos seus pés tropeçarem ou resvalarem em qualquer falha na calçada, fazia com que caminhasse quase sempre com os olhos pousados à frente dos seus sapatos. A segunda era ser tocado por estranhos em situações completamente desnecessárias, como filas do autocarro, assentos de qualquer meio de transporte público ou ao entregar o cartão de crédito aos empregados das lojas e restaurantes. Por fim, era capaz de sentir um asco misantrópico sempre que lhe pediam direcções. Era incapaz de dizer a outros por onde ir, para onde seguir, que rumo tomar. Durante a sua vida apenas memorizou o nome de meia dúzia de ruas, sempre por motivos de correspondência postal. E apesar de saber exactamente a distância em qualquer unidade métrica entre vários locais pelos quais passava recorrentemente (casa, trabalho, restaurante italiano preferido, tasca com os melhores petiscos, e outros), não conseguia indicar decentemente como ir ter a esses sítios. Perdia-se na sua mente, entre curvas à esquerda e à direita, cruzamentos inexistentes e nomes de pessoas mortas misturadas com jogadores de futebol, cantores e ministros que nunca correspondiam ao nome de nenhuma rua.

Naquele dia, não tinha acontecido nenhuma destas situações.

Entrou no prédio à hora habitual. A cabeça baixa enquanto rodava a chave da porta de entrada era o perfeito mecanismo de defesa para a eventual presença de um vizinho no interior do prédio. Ao evitar o contacto visual conseguia também evitar a conversa fútil e fugaz. Não que esta o incomodasse, mas nunca sabia exactamente o que dizer e raramente prestava atenção ao tempo que fazia lá fora. Três trincos mais tarde, entrou em casa. Descalçou os sapatos negros e engraxados e alinhou-os com os outros cinco pares de sapatos negros e engraxados que o esperavam na penumbra do armário.

Tudo naquela casa espelhava a natureza funcional que o definiam e que tinha lentamente absorvido do seu trabalho como criador de linhas de montagem fabris. Entre a sobriedade das paredes cinzentas e o reluzir negro da mobília de carvalho, não existia um único elemento, um único objecto naquelas cinco divisões que não tivesse a sua utilidade calculada, a sua necessidade prevista. Era como se a sua casa fosse mais uma das suas linhas de montagem e a sua vida quotidiana fosse o produto fabricado.

Embora os seus dias fossem rotineiros, não se pode dizer que essa linearidade e estabilidade fossem algo que tivesse procurado intencionalmente. No percurso da sua vida, passo atrás de passo, sem hesitar demasiado nem arriscar imprudentemente, conseguiu construir aquilo a que muitos poderiam chamar uma vida tranquila. Vivia sozinho, mas não era um homem solitário. Tinha um emprego estável, apoiado numa carreira sem sobressaltos, mas nunca receou ficar desempregado ou mudar a sua ocupação. Ao considerar ser outra coisa que não criador de linhas de montagem, sempre que tal ideia lhe assaltava a mente, apenas um elemento mantinha-se constante: o exercício metodológico da lógica. A matemática ensinara-lhe que é possível descobrir incógnitas se não errarmos na análise, conjugação e desenvolvimento das diferentes partes segundo determinadas regras. Que cada parte leva-nos até um final. Que esse final, para além de ser a soma das partes, é o produto da precisão de cada uma. Era assim que trabalhava e era assim que procurava viver. Cuidando os pormenores, atento ao detalhe. Nunca se sentia cansado dos seus gestos habituais, que eram seus por serem necessários à sua vida, naquele espaço e naquele tempo. Sabia-o intimamente.

Após o jantar desleixado, as arrumações imprescindíveis, o serão dividido entre o computador, a televisão e um livro, vestiu o pijama, trancou a porta, e arrastando os chinelos pelo chão espelhado entrou no seu quarto. Há uns anos atrás tinha iniciado uma espécie de ritual diário que preservava com religiosa devoção. Após um dia como aquele, ou como qualquer outro, que o tinha deixado particularmente bem disposto, lembrou-se de assinalar com um sinal "mais" o quadrículo em que se encontrava no calendário que guardava junto à cama. Um pequeno gesto resultou em dois pequenos traços sobrepostos, leves e sorridentes, que pretendiam fazer perpetuar no futuro aquele momento de passado.

Hoje senti-me bem no final do dia, dizia-lhe aquele sinal. Neste dia fui feliz, continuou a dizer-lhe ao longo dos dias. Hipnotizado pelo pequeno desenho na imensa rede mensal que pintava cada uma das folhas, começou a assinalar dia após dia como se sentia. Se os dias tivessem sido bons, colocava um "mais". Se maus, um "menos". Uma simplicidade matemática que conservou durante anos, de noite em noite, e que o fazia olhar para si mesmo e para o mundo antes de adormecer, antes dos detalhes se deteriorarem nos músculos da memória.

Foi quase instantânea a percepção que teve sobre a utilidade daquela acção. Se implementado com uma honesta ponderação, aquele sistema poderia fazer-lhe descobrir uma das grandes incógnitas da sua vida: serei feliz?. A pergunta era imensa, vasta como todos os oceanos sobrepostos uns em cima dos outros, e nunca conseguia encontrar uma resposta que o aliviasse. Toda a relatividade dos factos, a permeabilidade dos sentimentos e as falhas de percepção deixavam-no tonto e chegava mesmo a desmaiar. E como odiava tombar, mesmo em casa, deixou de pensar nisso.

Com o método do calendário encontrou uma possível resposta que não envolvia qualquer tipo de vertigem ou náusea. Era bastante simples. No final de cada semana, somava as cruzes positivas e os traços negativos. Comparava os resultados e, dependendo do valor de cada um, determinava se tinha sido uma boa ou má semana e assinalava-a com o correspondente sinal. Depois, somando e comparando os valores das semanas, determinava o mês. E por fim, somando e comparando os meses, determinava o ano. No saldo dos anos, positivos ou negativos, sabia que conseguia calcular se era feliz ou não. Previu que depois de muitos anos, depois do tempo se alojar nas rugas, nos cabelos e nos ossos, faria a contagem final e encontraria a resposta. Saberia como partir.

Como em qualquer edifício, a eficácia e viabilidade deste método encontrava-se na sua base. Para conseguir aceitar algo tão frio e calculista como determinante da sua posição anímica no mundo, como avaliação última da sua vida, precisava de conseguir fazer uma disciplinada avaliação de cada um dos seus dias. A cruzinha descontraída que tinha fundado o método não poderia repetir-se nunca mais. Cada sinal teria de ter o peso da honestidade, prudência e justiça emocionais e racionais. Por exemplo, sabia que, ao executar a tarefa no final da noite, mesmo antes de se deitar, não poderia deixar-se levar pelos acontecimentos mais recentes. Se uma saída à noite com os amigos tivesse sido divertida, se tivesse conhecido alguma rapariga ou visto um bom filme, esta não poderia sobrepor-se ao facto de ter assistido a um crime durante a hora de almoço ou de ter sido tocado várias vezes nos braços e nos calcanhares enquanto esperava pelo autocarro. Isto exigia-lhe um tremendo esforço mental para recordar cada pormenor com o devido distanciamento, e sem nunca se tornar insensível, e quase sempre, após a marcação do calendário, caía sobre a cama exausto e dormia sem sonhar até de manhã.

Já sentado, começou a meditar sobre o dia para poder completar mais um quadrado. Porém, algo estranho aconteceu naquela noite. Por mais que se esforçasse, não conseguia encontrar nas dezasseis horas que esteve acordado motivos suficientes para poder decidir que símbolo colocar, o que sentir. Revia meticulosamente cada hora do dia. Do acordar ensonado ao cambalear cansado ao regressar do trabalho. Conseguia compreender e ver que o dia não tinha sido mau, mas era incapaz de concluir, pela ausência do negativo, que tivesse sido um dia positivo. Pela primeira vez em mais de vinte anos não conseguia obter o resultado final. As suas mãos começaram a suar, dezenas de pequenas comichões explodiram por todo o seu corpo e a temperatura do quarto aumentava minuto após minuto de indecisão. Pensou em romper o sistema e utilizar um novo símbolo que representasse aquele dia. Uma excepção à regra. Talvez um zero ou os parêntesis curvos, representando um conjunto vazio. Mas não podia ser, não conseguia aceitá-lo. O zero fazia-o sentir como se o dia não tivesse existido, como se tivesse dormido durante todo o tempo. O conjunto vazio tinha o defeito de fazer parecer que nada ocorrera naquele dia normal, o que faria perder a coerência alimentada durante os vários anos, durante todos os outros dias parecidos àquele.

Em completo desespero, passaram-lhe pela cabeça centenas de símbolos e definições matemáticas. Talvez pudesse criar um novo símbolo, que era só para aquele dia, que simbolizasse aquilo ali, aquele momento. Sentiu-se altivo e arrogante, e não conseguiu. Afinal, quem era ele para criar um novo símbolo matemático? Uma nova palavra.

O lamento interior ressoava nas paredes lisas do quarto. Voltou ao maldito dia. Com a perícia de um arquivista experiente, recuperou das gavetas da memória cada cena que compôs o seu dia. Cada interacção, cada conversa, cada gesto e cada pensamento. Esforçou-se diligentemente por encontrar uma carga positiva ou negativa em cada um deles, por ver como aqueles momentos despertavam em si sentimentos positivos ou negativos. O mundo envolvente afundou-se na espiral meditativa em que se encontrava e os sons nocturnos desvaneceram sob as vozes e ruídos que compuseram a manhã, a tarde e o anoitecer passados. Ficou horas neste estado: sentado à beira da cama, com os olhos fechados e tremendo nervosamente. A sua garganta ficou seca de tanto suar. Se continuasse assim ou sofria um aneurisma, ou ficava desidratado.

No limite do suportável, o seu corpo cai para trás e os olhos abrem-se. Afundado no colchão húmido, fixou o olhar numa minúscula fissura do tecto e respirou profundamente. Estava a meio da sua vida, concluiu, e a partir daquele dia sabia que iria desaparecer lentamente. A partir daquele dia começava o resto dos seus dias. Aquele dia, vivido como qualquer outro, foi o primeiro dia em que o mundo lhe foi indiferente. Em que se sentiu indiferente ao mundo. Tudo o que aconteceu, o que sentiu e o que lhe foi dado a conhecer, atravessou-o por completo, deixando-lhe o peito ferido, vertendo pouco a pouco a vida que o preenchia. Não doeu. Nem sequer o sentiu. Apenas agora, à noite, cumprindo o seu ritual, pôde reparar na enorme ferida invisível que transportou durante todas aquelas horas.

Estava tudo destinado a repetir-se, como se entrara na segunda metade de uma circunferência perfeita. Com suficientes conhecimentos de geometria e álgebra, seria possível prever o exacto dia da sua morte. Ele poderia fazê-lo, se quisesse. Esta possibilidade destruía-o violentamente. Por dentro, sentia os seus órgãos serem esmagados, um a um, pela iminência do seu final. Por dentro, sentia-se velho e a apodrecer. Por dentro, sentia-se em paz.

Levantou-se da cama com o pijama colado às costas e o olhar sereno. Abriu a janela. A luz lunar misturava-se com o amarelo dos candeeiros. O ar fresco trazia o som de alguns carros que fugiam à madrugada apressadamente. Sentou-se no parapeito e inspirou profundamente. Novamente. Conhecia o andar em que vivia, a altura a que estava e o peso do seu corpo. Era uma equação fácil, aquela que determinava o tempo, em milissegundos, e a velocidade, em metros por segundo, em que o seu corpo iria embater no solo. Era uma suposição fácil, aquela que o assegurava da eficácia da sua queda. Com todas as incógnitas postas em evidência completadas com os seus respectivos resultados finais, e perfeitamente equilibrado, deixou-se cair. O tempo que demorou a atingir o solo foi suficiente para se sentir sorrir. Pensou se estaria realmente feliz ou se era apenas a força do vento ao embater violentamente na sua face que provocava aquele esticar e contrair de músculos. Pensou durante muito tempo nisso, ou pelo menos pareceu.

No final, não errou. Pensou, aproximadamente, durante 3706 milissegundos.


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música: The Mars Volta - Wax Simulacra
pensamento: fragmentos

Æmitis :: 21:49 ::: (0) Apêndice-[s]

segunda-feira, setembro 03, 2007

Cardiospecção


Tens as mãos no coração. Essas unhas de metáforas, meticulosamente afiadas, foram o instrumento necessário para cavares tão profundamente. Sempre sentiste que o coração batia mais depressa do que o teu peito queria fazer parecer, do que as tuas veias insistiam em contar. Então foste comprová-lo. Por entre o sangue derramado, por entre esses longos textos de confissões tardias, de fábulas ornamentadas com os mais requintados tecidos orientais, quiseste que te vissem reflectida. Tentaste, qual Narciso mais astuto, ver se o teu sangue te tinha com ele. E continuaste a enterrar as mãos no peito, mais profundamente. Antes que desaparecesses dentro de ti, desse teu corpo docemente violado, encontraste o que procuravas. Enrolaste os dedos entre a aorta pulmonar esquerda e o pulsante saco que te fez amar. Sentiste-te tão despida como nas noites em que te perdias nos olhos dele. Afastaste o sangue da memória e procuraste a música que te fez amar. Procuraste intensamente, tão intensamente que sentias os pés largarem-se do solo. Um esforço em vão, pois nada sentiste. Com as mãos no coração, esqueceste-te que um peito aberto sangra até morrer.








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música: ...
pensamento: os braços que nunca deste

Æmitis :: 23:56 ::: (0) Apêndice-[s]

sexta-feira, julho 27, 2007

Expirar #10


Se a lua tem uma face, será possível esbofeteá-la?





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música: A Big Bang Love: Juvenile - Créditos Finais
pensamento: para a J.

Æmitis :: 00:55 ::: (3) Apêndice-[s]

quinta-feira, julho 26, 2007

Via Sacra


Talvez tu, que és tragédia com causa e consequência, consigas dizer-me porque fingimos tanto ter uma dor significativa e partilhável. Perguntei a outros, semelhantes a mim, mas todos eles se limitaram a queixar-se da tal dor (sempre insuportável, a julgar pelas expressões que exibiam).

Tu que tens corpo marcado a ferro e fogo, a sangue e sémen, talvez me possas ajudar a sair desta ilusão de conflito e superação, de saudável esforço por coisa alguma. A cruz deixou-me uma marca ridícula nas costas, um bronzeado de mártir que quero fazer desaparecer. Sei que não a vejo, porque a tenho nas costas, e qualquer camisola a cobre dos restantes olhos – mas enquanto a palidez não se espalhar por todo o meu corpo, não conseguirei sentir-me bem.

Tu que foste mártir sem escolha, diz-me: terei de morrer para que este corpo volte a ser meu?



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música: MGR - II
pensamento: ...e dolorosa

Æmitis :: 05:26 ::: (4) Apêndice-[s]

Ponteiros De Relógio


Era tarde demais. Era com este pensamento que despertava todos os dias. O sol que entrava pela janela, rudemente encerrada na madrugada anterior, perdia o fulgor de mais um dia. Depois de ignorar o despertador, de contorcer-se na cama e apanhar os lençóis caídos, tentava lembrar-se da última vez que tinha sentido o calor do sol matinal ou o agitar fresco e vigorante das ruas daquela cidade. Tentou visualizar e individualizar uma por uma as cores que compõem o horizonte da aurora. Em vão. As pálpebras densas e empapadas de sono conseguiam cobrir o mais profundo dos pensamentos. Com uma honestidade atroz, a sua imaginação apenas lhe permitiu evocar os tons de meia dúzia de imagens cinematográficas de prados verdejantes e vales misteriosos onde nunca haveria de estar. Frustrado, com as pernas pesadas e os restos de um sonho ininteligível a serpentearem-lhe os olhos, a vontade de voltar a dormir inundava-lhe o espírito. Apenas dez minutos mais, ou doze. Talvez trinta. Mas era tarde demais.






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música: MGR - III
pensamento: um texto coberto de pó lunar

Æmitis :: 04:32 ::: (0) Apêndice-[s]

Amputado


São gestos que se movem por arrasto. Na inércia do ânimo, o corpo morto deixa-se levar pelo vento como uma boneca de trapos sem nós nas costuras. Os degraus são percorridos um a um, de hematoma em hematoma, e ao sentir o peso do solo cimentado sobre os ossos quebradiços esforço-me por libertar um suspiro de alívio. Chamo-lhe tédio, ao vento. E chamo-lhe velho, ao tédio. Nesta altura do ano, de qualquer ano, o que está de moda são as próteses e as muletas, as ajudas e os remendos. Gente híbrida, de carne e plástico, eficientemente montada para que possam funcionar minimamente. Entre toda a mecânica reparadora corporal, uma dúvida subsiste: por onde vagueiam todos os membros fantasma?








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música: Final - Hollow
pensamento: tremores nocturnos fazem eco

Æmitis :: 04:19 ::: (0) Apêndice-[s]

Pensamento/Venéreo


Tens os olhos ofuscados. São imensos os clarões provocados pelas igualmente imensas sinapses. Tens os dedos pesados de tanto conjugares o verbo pensar. Pesam como aneurismas, como lapsos de memória e outras irregularidades cognitivas. Porque não deslizas esses dedos, sujos de carvão e cravados de farpas, até à erecção que alimentas com essas pequenas neuroses. Dobra-te e contorce-te sobre ti mesmo, enrugando esse corpo grotesco que serve apenas para transportar a tua cabeça. Ejacula meu amigo, ejacula. Talvez assim, no flectir espasmódico de cada um dos teus músculos, consigas finalmente ter o sossego que buscas. Caso não o consigas, pode ser que te surja, entre o sémen derramado, uma ou outra boa ideia.








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música: Byla - Lake Opulia
pensamento: [destricted]

Æmitis :: 03:23 ::: (0) Apêndice-[s]

domingo, dezembro 10, 2006

Rouba-me Ao Crepúsculo


Rouba-me ao crepúsculo. Leva-me num bolso e esconde-me naquele saco que está cheio de cachecóis. Visita-me de pantufas quando todos estiverem deitados. Depois deixa-me sair no teu quarto para que possamos dançar. Não te preocupes, só tens de colocar os teus pés em cima dos meus, os teus braços à volta do meu pescoço e todo o teu peso na noite que entra pela janela. Quando nos cansarmos, estendemo-nos no chão. Atiramos todas as estrelas para o tecto, centenas e centenas, cada uma com um fio pendente. Tu deixas-te ficar deitada enquanto eu corro pelo quarto, saltando e dando piruetas, como uma sombra irrequieta, puxando os fios um a um fazendo-as cair. Serão pedacinhos de luz cintilante que te acompanharão o riso. Quando terminar, puxas-me tu pela roupa. E serei, também, cadente. Em ti.

Sei que não precisamos de fazê-lo em segredo, mas podemos. Shh…





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música: Songs: Ohia
pensamento: perdidos pelo sótão

Æmitis :: 13:00 ::: (2) Apêndice-[s]

É A Minha Vez


Estou a deixar crescer a barba. Tenho uma pasta negra, uma caneta permanente e um par de sapatos engraxados. De manhã levanto-me cedo, apressado e bebo muito café, depois regresso tarde, desarrumado e com o corpo um pouco mais curvado. Tenho uma dívida pendente, um horário inflexível e um encontro agendado. Tenho um fato encomendado, um escritório alugado e um cartão caducado. Aos fins-de-semana viajo na companhia de uma pequena mala silenciosa. Tenho dores de cabeça cansadas, rugas preocupadas e curas receitadas. Tenho o carro riscado… o carro riscado… RISCADO!

Mas sei quem foi...

Foste tu!

Mais ninguém o faria com todos aqueles lápis de cera.





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música: Songs: Ohia
pensamento: pensei que fosse coito

Æmitis :: 12:56 ::: (0) Apêndice-[s]




Outrora tive os braços frios…
Vestia casacos de mangas intermináveis, fazendo rodopiar o tecido que sobrava ao longo dos braços. Juntava-os contra o peito com muita força, tentando fazer com que pudessem entrar. Tentava enfiar as mãos nos bolsos, mergulhando-as tão profundamente que me enrolava sobre mim mesmo. Ficava assim, inerte numa bola, controlando a respiração e sentindo o sangue que insistia em fugir dos braços. As mãos enleavam-se e os dedos escondiam-se.
Tinha os braços tão frios…
De tão gelados que estavam não tremiam. Apenas pendiam, como estalactites polares. Tive medo que se partissem num movimento brusco, num gesto desnecessário ou num desastre circunstancial. O frio fez-me esquecer as pontas dos dedos. Eram inúteis agora. Apenas sabiam provocar arrepios nos corpos quentes. Eram como armas. Não as queria. Esqueci-as.
As estações passaram e a temperatura dos braços manteve-se. A minha estranheza também. Quando o desconforto se torna uma rotina, desaparece.
As estações passaram-me ao meu lado.
Certo dia, mais tarde, quando te esqueci, os meus braços aqueceram-se novamente.



mas era tarde demais para te abraçar.





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música: Songs: Ohia
pensamento: o teu corpo que muda

Æmitis :: 12:53 ::: (0) Apêndice-[s]

Quarto Alugado


O quarto estava cheio de folhas secas. Amarelas, castanhas e vermelhas. Poucas eram as que permaneciam inteiras. Espalhadas pelo chão, entre os outros destroços, desfeitas em mil pedaços ou desfiguradas pela queda. As janelas solidamente fechadas e a porta inexistente tornavam aquele quarto um repouso absoluto. Não eram mais que rascunhos. Ideias interrompidas num entardecer qualquer, enquanto ainda restava luz. Tinta negra que trespassava as folhas, palavras ocas que não chegavam a tocar-te a pele. Às que tinham apenas uma palavra, chamava-lhes solitárias. Eram frequentemente terminadas por um borrão sangrado. Outras eram apenas manchas, riscos que se confundiam com sujidade e que encontravam neste chão, e nos meus escurecidos pés, o seu eterno sossego.

O quarto estava cheio de água luzidia. Não era doce, nem salgada. Os seus tons variavam com as nuvens que se moviam pelo tecto e com a intensidade do candeeiro. Nos dias mais tempestuosos, era possível ouvir-se o sibilar marítimo de temor. Os rodapés minuciosamente isolados e as paredes matematicamente construídas certificavam-se que nenhuma das gotas pudesse sair. As janelas estavam muito acima do nível da água. Todas as gotas estavam seguras. Os meus pés inundados, constantemente enregelados, pareciam-me assustadoramente pálidos. Para me entreter, tentava mexer cada um dos dedos isoladamente. Do mindinho ao grande. Depois de algumas semanas já os conseguia fazer serpentear, em ambos sentidos, como um piano mudo. A água chegara de rios desviados, oceanos remotos, canos terminados, lagoas secretas, poças momentâneas, mares explorados, lágrimas soltas, chuvas férteis e de outros destinos incertos. Era uma parte do todo e fazia parte de tudo. Encontrava neste chão um solitário sossego.

O quarto estava cheio de erva verdejante. Militarmente alinhada, cobria todo o chão como um tapete feito de muitas camadas de linhas, mas dispostas em filas. Tinha crescido com força, sedenta de luz e de vida. Bebeu a água penetrante e escapou à escuridão da terra, voando até ao azul. Sempre mais acima, sempre. Quando cresceu o mais que podia, nunca descansando, criou-se. As janelas abertas deixavam o vento entrar. Era a sua música. Todos os dias ondulava em simultâneo, numa coreografia de admirável coordenação e vivacidade. Eu dançava também. Atirava os pés para o ar e todo o corpo os seguia. Depois, caía amparado pela vigorosa erva, que nunca se quebrava. Quando pisada, dobrava-se sobre si mesma, com invejável flexibilidade, e erguia-se novamente, mais determinada. Eu saltava todos dias até ficar exausto. Durante as noites frescas, deixava-me entrar um pouco mais e cobria-me os braços e as pernas. Um pequeno tufo juntava-se à minha cabeça, brincando de almofada. Encontrava neste chão, um amigo.


O quarto estava cheio de areia fina. Eram apêndices rochosos com a mais ínfima dimensão, mesmo antes de se tornarem em pó. Tinham cores imperceptíveis. Os pequenos montes que se juntavam nos quatro cantos do quarto mudavam de tonalidade de acordo com o ângulo em quem me colocava e com que o tórrido sol penetrava pelas janelas. Enterrava os pés na areia e sentia-me parte dela. Quis que me engolisse, mas cada um dos pequenos grãos sempre permanecia inerte. Desconheciam por completo a existência alheia. Depois de viajarem em botas de aventureiros, em bolsos de crianças, cabelos de amantes e na pele endurecida de pescadores, encontraram neste chão o seu eterno desassossego. O tempo virá para inverter o quarto.







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música: Songs: Ohia
pensamento: milhares de cores

Æmitis :: 12:41 ::: (0) Apêndice-[s]

quinta-feira, outubro 26, 2006

Antes que amanheça...


Em que pensas quando acordas?

Penso que estou atrasada. Que o dia está a fugir-me das mãos e que preciso sair a correr atrás dele, com toda a minha força e todo o meu equilíbrio. Quando está de chuva, encho-me de casacos. Fico um novelo de lã, como aqueles que a minha avó tem na caixa da costura. Com muitas cores e fofo. Quando está sol, visto o único vestido que tenho e deixo que o vento me contorne o corpo, fazendo desaparecer o linho com a brisa do despertar. E caminho pelas ruas, de olhos fechados com a cara virada para o sol.

E nos dias intermédios?

Não acordo.



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música: Explosions In The Sky - Day Four
pensamento: num tempo que voa

Æmitis :: 15:24 ::: (0) Apêndice-[s]

segunda-feira, julho 10, 2006

Passageiro


Consigo ouvir-te. Trago-te nos passos que me ajudam a percorrer estas ruas desertas. Não corras, peço-te. O meu corpo sempre foi fraco, por vezes um farrapo, e não creio que consiga acompanhar-te. Vamos fingir que estamos no fim do tempo, que os candeeiros amarelados se põem no horizonte e que os sacos revolvidos pelo ar são folhas secas, caídas.
Consegues fingir comigo?
Consegues fingir por mim?
Arrasta o cabelo para o fundo do teu corpo e beija-me.
Consegues ouvir-me,
sempre que caio dentro de ti?



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música: Jeff Buckley - Everybody Here Wants You
pensamento: ver-te de novo

Æmitis :: 01:52 ::: (1) Apêndice-[s]

 

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