segunda-feira, abril 04, 2005
Narcisismo
Um pequeno corno umbilical de textura oleosa. É assim que te descrevo enquanto olho com estupefacta admiração para minha barriga. O que queres? O que simbolizas? Que sintoma serás tu e que efeito provocarás? Conseguiste atenção, o que se segue?
Lembro-me do que comi esta semana inteira e nada levanta suspeitas de te ter originado. Compreendo a prótese láctea e a crosta mineral, mas não te compreendo, corno umbilical. Temo o teu crescimento em espada óssea. Temo porque o desejo. Serás vestígios uterinos de protecção materna? Serás compensação para tanto desleixo e fraqueza em tantos músculos tímidos? Equilíbrio Alquimista e Utópica Balança Celestial, deixai-me em paz! Serás evolução sexual em grotesca forma vindoura? Que trespasses todos os ovários e fecundes todas as bestas para que te perpetues. Que tragas outro alento e outro centro. Serei eu quimera de vontades revolucionárias, e tu, corno umbilical, estandarte vitorioso de audazes cientistas cósmicos? Serei brinquedo de deuses, aluguer celular? Serás apenas doença desconhecida? Metamorfose milenar? Reacção psicossomática? Implante alienígena? Crescimento radioactivo?...
Mantém-te pequeno e diminui-te. Devolve-me o corte retractivo que me alimentou em doce paz amniótica. Sejas o que fores, deixa-me como me encontraste. Que continue o encerramento toráxico e se desvaneçam as luzes...
Serás cabide?
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música: Sabers - Emeritus
pensamento: terei repousado?
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domingo, abril 03, 2005
Diagnose? De Nada.
Sou psicossomático e não sei porque me deram alta. Uma troca casual de ficheiros com um regenerado veterano de sossego ou com um qualquer caso terminal de vida em excesso e aqui me encontro eu, soltando golfadas de cinismo pela boca. Penso constantemente em ter uma doença que me incapacite e vivo com esse temor. Tumor? Fico ocasionalmente doente e os efeitos secundários prolongam-se durante meses. Não me injecto com químicos nem inspiro pós até ganhar a inconsciência. Não há compressas, cateteres, ligaduras, éter, nada. Este desdém centrípeto faz-me tecer choros. O pranto vergonhoso de um funeral equivocado. Serei campa vazia de flores em plástico. O toque eterno do místico vácuo existencial. Voilà. Gastronomia teórica para hospitais metafísicos. Hora da refeição. Parágrafo.
Na ala a sul de tudo o resto o sono tarda em escorrer. E os ossos doem. Como doem... Sou artesão de traumas. Doutor, prescreva-me um termo científico. Serei o propósito das metáforas pálidas experimentais. Simular semelhante fenómeno seria arriscado. Inverter processos e partir vidros. Convenço-o a não prosseguir, a não proceder. Tenho a desilusão de ser filho único de um ventre retalhado. Uma cesariana de paranóia social. Falta-lhe Rousseau. Falta-me paz. Sei que não devo, mas posso e consigo. Eis fraqueza. O império moral em nada imperativo. Falta-me Kant. Hora da medicação. Parágrafo.
Amanhã vou acordar-me.
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música: Logh - The Passage
pensamento: de saída
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