quinta-feira, novembro 25, 2004
Comprei-te Nos Saldos. Bem Vindo.
Este é um texto de Natal. Tem árvores enfeitadas, cheiro a castanhas assadas, frio, chuva, montras iluminadas. Tem crianças e brinquedos, tem “jingles” e deficientes mentais. Tem gorros, cachecóis, luvas, casacos, peles, lã e outros animais pendurados. Tem carne assada, arroz doce, rabanadas e poças de vómito. Tem uma lareira. Tem chaminés e gordos avermelhados. Tem vinho, bagaço, aguardente e violência doméstica. Tem viagens para a “terra”, primas e tias com bigode, sinos alucinados, convidados e filhos bastardos com problemas de consanguinidade. Tem carros enfeitados, desfiles, luzes e mortes na estrada. Tem o pai que descobre o filho, a mãe que revê a irmã, o avô que conhece o neto, a sobrinha que regressa e a filha que aborta. Tem um presépio. Tem Jesus, tem missa, tem fraternidade, bondade, caridade, solidariedade e prisão de ventre. Tem um branco, um preto, um amarelo, um vermelho, um castanho, um sujo e alguns humanos. Tem sorrisos de desconhecidos e de apresentadores de televisão. Tem hospitais mediatizados e idosos acamados. No fim, embrulha-se tudo numa embalagem fácil de transportar, põe-se um laço, uma campanha publicitária e vende-se, vende-se, vende-se.
............::::::::::::::::::::::::::::::::::::
música: Bôa - Welcome
pensamento: frenzy
Æmitis :: 17:45 ::: (1) Apêndice-[s]
Interlúdio
Este é um texto descontraído. Não tenho um objectivo subliminar, não tenho metáforas e analogias mascaradas. Se aparecer alguma, não é intencional. Sou apenas eu e o meu monólogo. Estou descontraído, permite que me repita.
Posso descrever o meu dia, a singular rotina de cada dia e cada dia e cada dia de dia em dia, sempre diferente. Mas não o vou fazer. Também não me serve de nada dizer algo que não vou fazer. Estou a preencher linhas apenas, permite que me distancie. Depois devolves-me a coerência e tudo mais, mas agora deixa-me ficar aqui... descontraído e a divagar.
Gosto de ver aquela veia mais saliente na parte superior da mão, entre o dedo anelar e o outro, mover-se de um lado para o outro enquanto mexo os dedos. Já te mostrei isto? Para a próxima interrompemos o comboio e vês. Não é nada de especial. Não consigo fazer aparecer moedas atrás da tua orelha, nem adivinhar a carta que tens dentro do bolso, mas é engraçado. A veia a mexer-se debaixo da pele... Enquanto escrevo, vejo-a.
Não esperes mais que isso mesmo.
Tenho uma música na cabeça que não consigo identificar.
Não esperes menos que isto mesmo.
Porra, agora tenho que sair.
............::::::::::::::::::::::::::::::::::::
música: Opeth - Deliverance
pensamento: entrar de tarde
Æmitis :: 14:15 ::: (0) Apêndice-[s]
quarta-feira, novembro 24, 2004
Entre Anestesias
[...]
Dois altos no braço de desconhecida origem. Sei que vou morrer. Todos morremos? Eu não... eu não morria até agora. Era eu e vivia, não pensava no resto. Via o fim, conhecia-o até... mas não pensava nele. Agora morro. Morro e acabo. Prega-se de um lado, do outro, enterra-se e ergue-se uma pedra. Morro. Passado algum tempo limpam-se as flores secas, as ervas daninhas e os sacos de plástico que o vento trouxe. Continuo morto. Quero que me comam o esqueleto também. Podes tratar disso?
[...]
Estou dependente desse cateter. Não planeei isto... não sou assim tão mórbido, nem cínico. O que entra? Algo que não quero descobrir. Podes limpar a ferida?
[...]
Hoje acordei bem disposto. Abracei-te, contei-te o que sonhei, elogiei o teu cabelo, a tua camisola e até a tua pele. Hoje acordei com sol e com silêncio. Aconcheguei a roupa da cama, alinhei os chinelos, mudei de página e até virei a almofada ao contrário. Hoje não tive dores. Andei um pouco, cumprimentei com quem me cruzei, apanhei ar fresco e vesti um casaco. Quando puder regresso a casa, por enquanto, deixo-me ficar nesta ala. Três visitas de cada vez. Não te esqueças. Da próxima vez diz à marcha fúnebre para esperar lá fora.
[...]
Amarraram-me à cama... eu só queria arrancar o resto da pele. De que me serve ter um lado da cara coberto quando tudo o resto está exposto? Sujo almofada... apenas isso. Que se lixe... amanhã dão-me alta e já posso fazer o que bem entender. Também quero tomar mais medicamentos.
[...]
Tomaste nota de tudo?
[...[
............::::::::::::::::::::::::::::::::::::
música: Portishead - Roads
pensamento: lista de espera
Æmitis :: 22:20 ::: (0) Apêndice-[s]
quinta-feira, novembro 11, 2004
A Text You Probably Never Read
Disseste-me para vir. E agora? Sei que não vim só para marcar presença, para avisar que afinal a morte ainda não foi cerebral. Se fosse, seria rápida... E agora? Afino o tom de voz e defino a cara que já não consigo dissimular. Repito, e agora? Não deixes para quando estiveres em casa ou para quando um qualquer farol te fizer o sinal de entrada, diz-me já o que queres de mim, aqui, sentado e despenteado.
Desculpa-me ser tão directo. Ou melhor, não desculpes e queima a palavra. Eu não preciso dela e tu também não. Vamos correr pelo dicionário e queimar mais umas quantas. Depois brincamos às analogias com as que sobraram e bebemos café com ***. Se tiveres que ir embora mais cedo, não faz mal. Mais ou menos dez minutos nunca fizeram diferença. Afinal, isto é um plano e todos os planos têm falhas que não podemos prever. Juntamos todos os anteriores que rasgámos e fazemos origami. Deixemos os animais para as analogias, quero contornos de pessoas que não vamos conhecer e de sítios onde não vamos estar.
E agora? Posso pegar em todas as lâminas e cortar-me perfeitamente, tão perfeitamente que nem um só risco apareça e nem uma só gota manche o chão? Deixa lá... trouxe-te desdém, não consegui resistir.
Quero ser cínico. Continuamente cínico. Depois durmo no sofá e penso que não o sou.
............::::::::::::::::::::::::::::::::::::
música: Jeff Buckley - What Will You Say (live)
pensamento: éter
Æmitis :: 19:18 ::: (0) Apêndice-[s]