sábado, junho 04, 2005
Diálise
“Estou atrasada para qualquer coisa.” e saíste do quarto enquanto calçavas os sapatos. Não poderias ter sido mais clara no que disseste. Deixei de fazer força abdominal e enterrei a cabeça no que restava da almofada, olhando para o tecto, branco. Lá fora, as sirenes acompanhavam-te no pavimento, abrindo caminho até à unidade de cuidados intensivos. O que resta do dia, de qualquer outro dia, tem um tom de registos médicos defuntos e empoeirados, sépia. Uma aguarela que aguarda adormecer.
Passo as mãos pela cara e pressiono os olhos até sentir dor. Um ritual que não dispenso e que antecede a medicação diária. Jamais a poderá preceder. Fico feliz após a primeira e a segunda e a terceira doses. Agradeço-te a atenção e o método – cada caixa para cada dia. Quando os relógios se deformam torna-se complicado contar o tempo e discernir as horas. Mas a tua saída é a minha manhã – cada caixa para cada manhã. Imagens pingadas em placas suspensas com completa ausência de arte, negras. Percepção química de te ter em cada forma, de qualquer forma.
Acidentalmente, li o teu diário – peço-te que me perdoes, sou um homem fraco mesmo com soro. Algumas linhas em branco e, um pouco acima, um fim de dia a carvão: «A causa imprecisa e o efeito indesejado – o processo de cura.»
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música: Tarentel - Two Sides Of Myself - Part One
pensamento: de calor a afrontamentos
Æmitis :: 23:59 :::
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