domingo, outubro 12, 2003
Um Despertar
Acordei. Senti que somente eu tinha ousado desprender-me do cordão onírico de um qualquer deus remoto. As ruas estão adormecidas e o frio agride-me o corpo como um fera enraivecida pela presença de um estranho. É ainda de noite. As labaredas de fogo ainda estão longe do céu. Os passos são sós. O vento uiva pelas linhas negras que invadem e rodeiam este resto de betão disperso.
- Há neste silêncio urbano uma inquietude que sufoca.
- Eu sei. Também o sinto. O ar parece suster-se na garganta com receio de entrar no corpo.
- Nunca sei se este sentimento de estar a ser observado é só uma manifestação da minha amiga paranóia ou se realmente sou alvo do olhar de nocturnas criaturas.
- Anda ao meu lado. Olhos rentes ao chão mas sempre atentos e alertas. Sou o meu próprio guarda, o legionário sem deserto, só com o vazio.
- Mas o pânico nunca é real... Nem mesmo a existência de qualquer outro ritmo para além do meu. Subo as ruas; olho os candeeiros empalidecidos pelo fumo; os olhos felinos brilham como diamantes brutos na mais virgem das caverna; sinto o amanhecer na minha face...
- Como eu te compreendo... como eu te compreendo tão bem...
Aquele café que acompanha a alma, que desperta a mente ainda vestida de sonhos, tem uma duração de todo um acordar manso. O som das moedas no balcão de vidro ainda limpo. O ranger das portas que acordam...
- Olha, o sol está a nascer.
- Está a aquecer o ar.
- Vou-me embora.
- Adeus e... bom dia.
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música: Dysrhythmia - Heat Sink
pensamento: a mansidão de um domingo chuvoso
Æmitis :: 21:07 :::